03 março 2015

Virada Vazia

Thomas McCarty

VIRADA VAZIA

A televisão estava ligada e preenchia a sala com sua luz azulada. Ele estava deitado no sofá vendo a novela das sete enquanto o cheiro doce de frango assado dançou no ar.

Lembrou-se do frango que assava, levantou-se e foi até a cozinha. Retirou do forno uma forma coberta com papel alumínio. Escutava-se o borbulhar do óleo quente dentro da forma. Apoiou-a sobre a pia e retirou o papel, verificou se a ave já estava cozida e voltou ao forno sem cobrir; era para dar cor à carne branca da ave.

A panela elétrica de arroz fez barulho para avisar que os grãos já estavam cozidos e o feijão, em uma pequena panela com tampa de vidro sobre o fogão, soltava seu aroma de feijoada. Do vizinho, vinha um som de música animada e pessoas falavam e riam ao mesmo tempo. Lembrou-se da mãe e da época de criança quando a casa era cheia de risos e de músicas animadas e dançantes.

Ele voltou para o sofá. Não estava com sua melhor roupa, mas não estava com as roupas mais simples que costumava usar durantes os dias em que estava de folga. Na televisão, propagandas de programas musicais eram anunciadas a todo o momento.

Estava sozinho e sabia que não iria receber visitas: os poucos amigos estavam nas casas de seus familiares ou de outros amigos com casas no litoral. Sentiu cede e foi até a geladeira, abriu-a e viu o espumante, na porta da geladeira, que estava guardada há semanas. Pegou, no entanto, a garrafa de água e serviu-se.

De volta ao sofá, a novela dava continuidade a sua vida. A noite estava quente e ele abriu, um pouco, a janela da sala para ventilar; um cheiro de churrasco invadiu o cômodo e, novamente, lembranças da infância dançaram em frente aos seus olhos por alguns segundos. Levantou-se e foi até a cozinha para verificar o frango e percebeu que já estava no ponto para servir; o cheiro enchia a cozinha.

Serviu.

Sentou-se em frente à TV com seu prato com arroz branco, feijão, pedaços de frango, salada de maionese e um copo de refrigerante guaraná. Achou que faltou um pouco mais de sal no assado. O cheiro da carne assando, que vinha de fora, passou pela sua frente e ele desejou um pedaço de churrasco, mas logo se conformou. Escutou gargalhadas de homens e mulheres.

A novela acabou. Ele ficou triste, não porque a trama havia chegado ao fim naquele dia, mas porque sabia que o fim do dia se aproximava. Trocou de canal várias vezes, mas não encontrou qualquer coisa que fosse interessante para assistir.

Terminou sua refeição. Carros passavam pelo viaduto próximo à sua janela. Uma buzina soou. Ele lavou a louça enquanto escutava as músicas cantadas por artistas que ele não gostava em um show que era transmitido por TV.

Desligou o celular. Não queria receber ligações apesar de saber que não havia ninguém para ligá-lo. Foi ao banheiro e escovou os dentes.

Ficou mais cinco minutos sentado no sofá, parecia tentar achar alguma coisa de interessante naquele programa que ele considerava de muito mau gosto e chato. Resolveu deitar-se.

Um breve sonho: estava na casa de seus pais, a casa estava cheia de amigos e parentes; seu amor também o acompanhava; estava na hora de todos irem para fora para verem os fogos.

Barulhos seguidos o acordaram enquanto luzes piruetavam na parede de seu quarto. Ele se levantou e foi até a janela, abriu-a e observou o céu. “Já é meia-noite” pensou consigo. Longe, um fogo de artifício vermelho chamou sua atenção. Rojões estrondavam sobre sua cabeça. Olhou para baixo, estava no quinto andar, e viu um grupo de rapazes que quebravam garrafas contra uma das colunas que sustentava o viaduto. Escutou os vizinhos de baixo e os de cima cumprimentarem seus familiares. “Que esse ano seja um bom ano” ele apenas desejou para si mesmo.

Olhou novamente para o céu e, mentalmente, desejou ‘feliz ano novo’ para sua mãe e seu pai que ainda moram no interior do estado. Seus olhos encheram de lágrimas, mas ele não deixou que elas escorressem. Fechou a janela e foi até cozinha.

Abriu o espumante que estava na geladeira e partiu a romã que se encontrava dentro da fruteira. Chupou sete sementes e as guardou em um envelope pequeno para guardar dentro de sua carteira mais tarde. Deu alguns goles na bebida e deixou o resto da romã sobre a mesa. Desligou a luz e, após ir ao banheiro, voltou a deitar-se.

Naquele momento, ele teria uma conversa com Deus ou com uma força maior do que qualquer coisa já conhecida, uma energia tão poderosa e tão frágil. Conversa essa que apenas ele poderia contar.

Sabia que demoraria dormir, levantou-se e ligou o computador; queria ver algo: entrou em uma sala de bate papo e assustou-se com a quantidade de pessoas online. Todas procuravam companhia, amor e sexo. Questionou-se como seria possível. Tentou imaginar essas pessoas e onde elas estariam e quais eram seus medos e desejos. “Quanta gente solitária” ele pensou e teve pena e nojo de si mesmo. Desligou o computador e voltou para cama.

Algo o incomodava, seu coração estava apertado, e uma vontade enorme de chorar parecia querer explodir de dentro de seu peito. Outra vontade também o consumia: vontade de ser amado, de ser desejado do jeito que ele era. Vontade de uma noite de amor e sexo, sem preocupações com julgamentos.

Ficou nu. Masturbou-se. Sentiu pena e raiva de si mesmo. Seus desejos ainda estavam fortes e sem colocar suas roupas de volta, ele adormeceu; igual muitos outros que desejam o mesmo que ele, que se encontram tão próximos dele, que são tão iguais a ele, tão solitários quanto ele, tão distantes dele, tão próximos a ele, tão medrosos, tão infelizes, vazios, solitários, escuro, sem som, sem luz...


Publicado no recanto das letras em 03/03/2015
Código do texto: T5157109

imagem disponível em: http://melhorangulo.com/tag/fogos-de-artificio/